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quarta-feira, 28 de julho de 2010

Um tijolaço viciante


Nunca fui muito de embarcar em modismos de nenhuma espécie, especialmente os culturais. Quando ouvia alguém comentar que esta ou aquela banda ou artista ou escritor ou série televisiva estavam na ordem do dia, torcia o nariz e desdenhava. Só depois de passado o frisson ia conferir se eram realmente bons ou não. A isso se chama “síndrome da carne de vaca”: a aversão ao que todos consomem. Por conta disso conheci tardiamente diversas coisas interessantes, mas acreditava que esse comportamento me ajudava a manter certa dignidade – e certo orgulho elitista, confesso - diante de tanto lixo que a indústria cultural despeja diariamente em cima de nós. Porém, recentemente flexibilizei essa minha regra, cedi aos apelos dos cadernos culturais e comprei o livro 2666, do chileno Roberto Bolaño, escritor morto em 2003 mas que virou queridinho da crítica literária mundial apenas recentemente. Na verdade comprei o livro por que o encontrei em promoção num site e ainda por cima com frete grátis. Uma pechincha! Quando o livro chegou, o primeiro susto: tinha nas mãos um tijolaço com mais de 850 páginas!!! Eu estava no meio de O vermelho e o negro, de Stendhal, e por isso decidi começar a ler o livro de Bolaño somente quando terminasse as aventuras de Julien Sorel. Mas a curiosidade foi tanta que folheei um pouco 2666, só pra distrair. E aí deu-se a iluminação... Desde esse momento não consegui desgrudar do livro e quando saio fico ansioso para voltar para casa e retomar a leitura, simplesmente porque o achei é genial.
Em linhas gerais, Bolaño conta cinco histórias aparentemente desconectadas entre si, começando com a narrativa sobre quatro professores de literatura de meia idade e um tanto frustrados que acabam encontrando um sentido para suas existências monótonas na busca por um escritor alemão ancião, recluso e misterioso. Seguindo os passos desses personagens, Bolaño chega até México, onde uma série de assassinatos incompreesíveis e brutais vão acontecer. Até aí nada demais, a não ser pelo fato de que 2666 ser o completo avesso do que a tradição da literatura latinoamericana traçou até aqui. Quando lemos um Mario Vargas Llosa ou um Pedro Juan Gutiérrez temos sempre as particularidades do latinoamericano realçadas, com seu universo mental bem marcado. Bolaño, por sua vez, construiu um romance globalizado, em que ingleses, espanhóis e italianos comunicam-se em alemão, transitam entre países europeus como quem vai à esquina comprar pão e terminam na fronteira entre México e EUA, de onde são narradas outras histórias de pessoas comuns enredadas em situações não-convencionais, fazendo um jogo entre real e fantástico bastante diferente do criado, por exemplo, por García Márquez, que elaborou uma série de ambientes inverossímeis mas que eram habitados por personagens também inverossímeis. Além disso, a linguagem utilizada por Bolaño nos deixa a sensação de estar numa montanha russa, ora com parágrafos imensos, ora apenas com frases de efeito, sem contar o trânsito entre a prosa poética e o quase escatológico da liguagem coloquial.
Ainda estou no meio do livro, mas o impacto dele sobre mim é tão grande que não resisti a comentá-lo mesmo sem tê-lo terminado. Quem já leu sabe porque digo isso. Quem ainda não leu, corra e leia. 2666 é desses livros que surgem excepcionalmente de tempos em tempos e é bom lê-lo enquanto ele ainda está fresco...

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